O Papado

Sermão do IV domingo depois de Pentecostes

Caríssimos fiéis, em ocasião do santo evangelho de hoje, onde ouvimos da barca de São Pedro, julgo ser conveniente que falemos sobre o que o santo catecismo diz de São Pedro, o primeiro papa, e sua barca, que é a Igreja. A lição de hoje sobre o papado vai servir como preámbulo de um futuro sermão contra o falso concílio Vaticano II.

Os fiéis devem conhecer as propriedades da Igreja para melhor se compenetrarem do imenso benefício que Deus outorgou a todos os que tiveram a sorte de nascer, e educar-se no grêmio da mesma Igreja.

O primeiro caráter que se propõe no Credo é a unidade. “Uma só é a minha pomba, diz a Escritura, uma só é a minha formosa.”

Essa enorme multidão de homens dispersos em todas as direções é uma e una, em virtude das mesmas razões que São Paulo alegava aos Efésios para provar que há “um só Senhor, uma só fé, um só Batismo”. Nela há também um só que dirige e governa. Invisivelmente, é Cristo a quem o Eterno Pai constituiu “cabeça de toda a Igreja, que é Seu corpo”; visivelmente, porém, é aquele que ocupa a cátedra de Roma, como legítimo sucessor de São Pedro, o Príncipe dos Apóstolos.

Todos os Padres da Igreja são unânimes em afirmar que era preciso uma cabeça visível, para assentar e manter a unidade da Igreja.

Esta necessidade, São Jerônimo a reconhece e defende, de modo formal, em seus arrazoados contra Joviniano. Ele diz: “Um só é eleito, para que a instituição de um chefe remova toda ocasião de cisma”. E ao Papa Dâmaso assim escreve: “Fuja a inveja, desapareça a pretensão de aspirar alguém à suprema dignidade romana. Estou a falar com quem sucedeu ao Pescador, com o Discípulo da Cruz. Nenhum chefe supremo reconheço senão a Cristo; por isso me ponho em comunhão com vossa Santidade, isto é, com a cátedra de Pedro. Sei que sobre esta pedra está edificada a Igreja. Quem comer o Cordeiro fora desta casa, não pertence ao povo eleito. Quem se não recolher na Arca de Noé, há de perecer por ocasião do Dilúvio.

Muito antes de São Jerônimo, a mesma doutrina foi exposta por Santo Ireneu, e também por São Cipriano, que nestes termos discorreu sobre a unidade da Igreja: “Diz o Senhor a Pedro: Eu te digo, Pedro, que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”.

Sobre um só é que edifica a Igreja, não obstante haver conferido após a Ressurreição, o mesmo poder a todos os Apóstolos, com as palavras: “Assim como o Pai me enviou, assim Eu vos envio a vós. Recebei o Espírito Santo.” No entanto, para estabelecer claramente uma unidade, quis pelo Seu poder que a mesma unidade se derivasse de um só chefe.

Optato de Mileve também declara: “A ti não se pode atribuir ignorância, pois sabes que, na cidade de Roma, a cadeira episcopal foi conferida a Pedro em primeiro lugar, e foi Pedro que a ocupou na qualidade de chefe de todos os Apóstolos. E neste chefe único deviam todos guardar a unidade, a fim de que os Apóstolos não tivessem pretensões exclusivas a favor de suas próprias cadeiras. Seria, portanto, cismático e insubmisso quem quisesse opor outra cadeira a esta, que é a única”.

Mais tarde, escrevia São Basílio: “Pedro foi posto como fundamento. Quando dissera: Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo; – ouviu também a resposta que ele era a pedra, se bem que não fosse pedra, como o era Cristo. Pois Cristo é a pedra verdadeiramente inabalável, ao passo que Pedro é pedra só em virtude desta pedra.

Como Deus, Cristo comunica a outros Suas próprias excelências: É sacerdote, e institutiu sacerdotes; é rocha, e faz que outro seja rocha; o que Lhe é próprio, dá também a Seus servidores”.

Se alguém objetar, como os Protestantes dizem, que a Igreja deve contentar-se em ter Jesus Cristo como único chefe e esposo, sem pretender nenhum outro, a nossa resposta não oferece dificuldade.

Ora, assim como Cristo Nosso Senhor não é só autor, mas até ministro interior de todos os Sacramentos, pois Ele é quem batiza e absolve, apesar de haver destinado homens para ministros externos dos Sacramentos; – assim também pôs um homem, como ministro e detentor de Seu poder, à testa da Igreja, que Ele mesmo dirige com a assistência interna do Espírito Santo.

A Igreja visível precisa de um chefe visível. Por isso é que Nosso Salvador estabeleceu a Pedro como Chefe e Pastor de todo o rebanho dos fiéis, quando em termos graves o incumbia de apascentar as Suas ovelhas; e, por sinal, quis que os sucessores de Pedro tivessem, incontestavelmente, os mesmos poderes para reger e governar toda a Igreja.

Caríssimos, até agora, estavamos ouvindo o santo catecismo do concílio de Trento, do século XVI. Como disse mais cedo, este sermão deve servir como um certo preámbulo do futuro sermão contra os erros de Vaticano II e do Novus Ordo. Portanto, permitam que eu cite alguns ensinamentos do primeiro concílio Vaticano do século XIX. Especificamente, essas citações de agora vêm da constituição dogmática chamada Pastor Aeternus.

Agora, antes de começar a ler esses textos é mister que eu diga que nós que seguimos a posição sedevacantista somos cátolicos e abraçamos tudo que a Santa Madre Igreja nos ensina. Muitos dizem que os sedevacantistas não aceitam a doutrina sobre o papado.

Porém, muito ao contrário, é justamente porque nós aderimos à doutrina católica sobre a infalibilidade dos sucessores de São Pedro que somos obrigados a entender o fato que os falsos papas depois do Vaticano II não podem ser verdadeiros, visto que o concílio Vaticano II impõe e ensina uma nova religião, substancialmente distina da única verdadeira religião cátolica. Essa afirmação que Vaticano II propõe muitos erros já condenados, vou expor em um futuro sermão. Por agora, basta dizer que um verdadeiro papa nunca poderia impor os erros do concílio Vaticano II.

Dito isso, vamos agora para os textos do concílio Vaticano 1º do século XIX.

Os Padres do IV Concílio de Constantinopla, seguindo as pegadas de seus predecessores, publicaram esta solene profissão de fé:

A primeira condição para a salvação é conservar a norma da verdadeira fé. E, dado que aquela palavra de nosso Senhor Jesus Cristo — “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” [55] — não pode falhar em seu efeito, as palavras proferidas se confirmam por suas consequências.

Pois na Sé Apostólica a religião católica sempre foi conservada sem mácula, e a sagrada doutrina, mantida em honra.

E como é nosso fervoroso desejo não nos separarmos de modo algum desta fé e desta doutrina, esperamos merecer permanecer naquela única comunhão que a Sé Apostólica prega, pois nela reside toda a força e a verdadeira essência da religião cristã.

Além disso, com a aprovação do II Concílio de Lião, os gregos fizeram a seguinte profissão:

“A santa Igreja Romana possui a primazia e o principado supremos e plenos sobre toda a Igreja católica. Ela reconhece, com verdade e humildade, que recebeu tal dignidade do próprio Senhor, no bem-aventurado Pedro, príncipe e chefe dos Apóstolos, de quem o Pontífice Romano é sucessor, juntamente com a plenitude do poder.

E, como lhe compete antes de todas as outras o dever de defender a verdade da fé, se surgirem questões relativas à fé, devem ser resolvidas por seu juízo.”

Mais tarde, no mesmo documento, está escrito: Para cumprir esse múnus pastoral, nossos predecessores esforçaram-se incansavelmente para que a doutrina salvífica de Cristo fosse difundida entre todos os povos da terra; e com igual diligência zelaram para que ela se mantivesse pura e incontaminada em todos os lugares onde fosse recebida.

Por esse motivo, os bispos de todo o mundo — ora individualmente, ora reunidos em sínodos — segundo o costume longamente estabelecido das Igrejas e conforme o modelo da antiga tradição, encaminhavam a esta Sé Apostólica, de modo particular, os perigos que surgiam nas matérias concernentes à fé. Isso a fim de que qualquer dano sofrido pela fé fosse reparado sobretudo naquele lugar onde a fé não pode sofrer falha alguma.

Depois, o santo concílio continua, dizendo: o Espírito Santo foi prometido aos sucessores de Pedro, não para que, por meio de sua revelação, manifestassem alguma nova doutrina, mas para que, com a sua assistência, guardassem religiosamente e expusessem fielmente a revelação, ou depósito da fé, transmitido pelos Apóstolos.

Na verdade, esta doutrina apostólica foi abraçada por todos os veneráveis Padres, reverenciada e seguida por todos os santos Doutores ortodoxos, pois sabiam com plena certeza que esta Sé de São Pedro permanece sempre imune de qualquer erro, conforme a promessa divina de nosso Senhor e Salvador feita ao príncipe de seus discípulos: “Roguei por ti, para que tua fé não desfaleça; e tu, uma vez convertido, confirma teus irmãos”.

Este dom da verdade e da fé que jamais falha foi, pois, divinamente concedido a Pedro e aos seus sucessores nesta Sé, para que, no desempenho de tão sublime ofício, o exercessem em benefício da salvação de todos; e para que, por seu ministério, todo o rebanho de Cristo fosse preservado do nocivo alimento do erro, e nutrido com o sustento da doutrina celeste.

Portanto, aderindo fielmente à Tradição recebida desde o início da fé cristã, para glória de Deus, nosso Salvador, para a exaltação da religião católica e para a salvação do povo cristão, com a aprovação do sagrado Concílio, ensinamos e definimos como dogma revelado por Deus que: quando o Romano Pontífice fala ex cathedra — isto é, quando, no exercício de seu ofício de pastor e doutor de todos os cristãos, em virtude de sua suprema autoridade apostólica, define uma doutrina acerca da fé ou da moral a ser sustentada por toda a Igreja — possui, pela assistência Divina que lhe foi prometida no bem-aventurado Pedro, aquela infalibilidade de que o Divino Redentor quis que gozasse a sua Igreja ao definir doutrina concernente à fé ou à moral. Por conseguinte, tais definições do Romano Pontífice são irreformáveis por si mesmas, e não em virtude do consentimento da Igreja. Se alguém, o que Deus não permita, tiver a ousadia de rejeitar esta nossa definição: seja anátema.

Sermão proferido pelo Rev. Pe. Frei Boaventura de Nossa Senhora, Sede da Sabedoria, O. F. M. Sub, no dia 6 de julho de 2025, IV Domingo depois de Pentecostes.