A Vocação Religiosa

A vocação para uma vida perfeita no estado religioso é uma graça especialíssima e sumamente preciosa, que Deus concede só a poucos. Com razão, pois, se irrita o Senhor com aqueles que fazem pouco caso de tão grande favor e não dão ouvido ao chamamento de Deus. Como não se sentiria ofendido um rei, se um súdito seu, chamado a ser seu favorito, desprezasse essa honra! E Deus não há de sentir tal injúria? Oh! Sim, Ele a sente, e muito, e por isso exclama, ameaçando (Is 45,9): “Ai de quem resiste a seu Criador!”

O castigo de tal ingrato já começa aqui na terra, porque nunca mais achará paz, diz o piedoso Jó (Jó 9,4): “Quem lhe resistiu e achou paz?” Além disso, privou-se ele dos múltiplos e eficazes auxílios com os quais facilmente poderia levar uma vida devota. E se o infeliz, rigorosamente falando, ainda pode operar sua salvação, contudo dificilmente empregará os meios necessários para isso, como nota o douto teólogo Habert (De ord., p. 3, c. 1, § 2). O mesmo ensinam São Bernardo (De vir. cler., c. 5) e São Leão (Epist. 87).

Tendo o imperador Maurício proibido aos soldados a entrada nos claustros, São Gregório, em uma carta ao imperador, declarou injusta essa lei, porque assim ficava o céu fechado para muitos cristãos que, no estado religioso, se salvariam e, ficando no mundo, se perderiam (Epist. I-2, c. 100).

Quantos infelizes não serão condenados no dia do juízo, porque não seguiram sua vocação! “Foram rebeldes à luz, não conheceram os caminhos d’Ele”, diz o Espírito Santo pela boca de Jó (Jó 24,13). Porque não quiseram seguir o caminho que o Senhor lhes mostrou, trilharão sem luz aquele que eles mesmos escolheram, e se perderão.

No livro dos Provérbios o Senhor se exprime em termos mais fortes: “Eis que vos revelarei o meu espírito, isto é, vos darei a graça da vocação… mas, porque vos chamei e não quisestes ouvir-me, porque desprezastes todos os meus conselhos… também eu me rirei na vossa perdição e zombarei de vós quando vos suceder o que temíeis” (Pr 1,23-26).

Quando, no meio dos escolhos e perigos do mundo, as tentações atacam tais pessoas infiéis, quando os horrores e angústias da morte lhes sobrevierem, “então me invocarão, diz o Senhor, mas eu não os ouvirei; levantar-se-ão de madrugada, e não me acharão, pois que eles… não aquiesceram ao meu conselho… comerão, por isso, os frutos do seu caminho e fartar-se-ão dos seus conselhos” (Id. 1,27-31). O menor impedimento, a menor tentação os fará cair; mesmo a felicidade os perderá.

Os sinais ordinários de vocação para o estado religioso são a aptidão e a inclinação.

A aptidão é o complexo de todas aquelas qualidades que habilitam alguém para a observância das regras e prescrições de uma ordem determinada. Essas qualidades são principalmente as seguintes: um juízo reto, um caráter bom, um coração dócil, os conhecimentos necessários, a isenção de defeitos corporais ou espirituais, que são contrários a tal modo de vida.

A inclinação existe quando julgamos que uma ordem corresponde ao nosso caráter pessoal e está em estado de nos tornar felizes e internamente satisfeitos. Essa inclinação deve ser constante, isto é, não deve estar sujeita a contínuas variações. Contudo, tais oscilações podem provir de tentações do demônio ou de uma certa repugnância da natureza e, por isso, não são sempre prova de falta de vocação.

Não é de forma alguma requerido que se sinta levado por um impulso espontâneo para o estado religioso; a inclinação pode ser o resultado de uma reflexão séria e é muito compatível com certas tentações e oscilações. Em todo o caso, porém, a inclinação para o estado religioso deve ser sincera, isto é, deve provir de um motivo puro. Seria uma boa intenção, por exemplo, o desejo de se salvar com maior facilidade, de promover a glória de Deus, de trabalhar na salvação das almas, de se tornar semelhante a Jesus Cristo, de cumprir em tudo a vontade de Deus, de fazer penitência pelos pecados da vida passada, de gozar da felicidade de uma alma que está livre das inquietações mundanas e que pertence totalmente a Deus etc.

Ao lado desses sinais ordinários de vocação existem outros extraordinários. Por exemplo, quando alguém recebe uma revelação do céu chamando-o para esta ou aquela ordem, como se deu com São Luís de Gonzaga, Santo Estanislau Kostka e outros; ou quando alguém, em virtude de uma inspiração interna, sente-se violentamente atraído para a vida religiosa.

Se alguém, apesar de rigoroso exame próprio, apesar de séria reflexão e detalhada consultação com um esclarecido confessor, não alcança certeza e permanece na dúvida a respeito de sua vocação, pode ficar sossegadamente no mundo, porque ninguém está obrigado a subir a um estado mais alto, sem estar moralmente certo de que Deus o chama para esse estado.

Quem julga ter vocação para o estado religioso deve empregar o maior empenho em conservá-la como a mais preciosa joia da terra. Para isso deve empregar os seguintes meios:

Primeiro: deve obedecer, o mais cedo possível, à voz de Deus e seguir, nesse ponto, o conselho de seu confessor como do superior que o deve receber na ordem.

Segundo: deve guardar um prudente segredo a esse respeito, porque os mundanos não sentem escrúpulos em demover alguém de entrar no estado religioso.

Terceiro: deve guardar o recolhimento de espírito e, para isso, evitar as conversações mundanas. Um dia de distração, uma palavra de um amigo, um simples apego basta para desviar alguém de sua vocação.

Quarto: deve dedicar-se muito à oração, porque, do contrário, perde certamente a vocação. Tome por objeto de sua meditação a vocação; reflita na grande graça que Deus lhe fez concedendo-lha e como está seguro de sua eterna salvação seguindo a sua vocação, e como é grande o perigo de sua condenação eterna se não corresponder a essa graça. Será também muito útil representar-se a hora de sua morte e ponderar que alegria lhe causará, no leito mortuário, o pensamento de ter obedecido a Deus, e que tormento, que temores de consciência o cruciarão se permanecer no mundo, apesar de sua vocação para o estado religioso.

Fonte: Escola de Perfeição Cristã — Santo Afonso Maria de Ligório — Compiladas pelo Rev. Pe. Saint-Omer — 1931.